Superdotação
por Dra. Lilian Ishida Arai
1) O que é SUPERDOTAÇÃO?
A Política Nacional de Educação Especial (1994) define como portadores de altas habilidades/superdotados os educandos que apresentarem notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica especifica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e capacidade psicomotora. *
A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que entre 3,5% a 5% da população brasileira seja composta de superdotados.
2) Quais as características principais?
-Desenvolvimento neuropsicomotor precoce: a criança engatinha, anda e fala mais cedo do que o esperado, com vocabulário avançado para a idade;
-Habilidade superior para manutenção da atenção;
-Ótima capacidade de memória com elevada e rápida capacidade de aprendizagem;
-Persistência e motivação para a resolução de problemas;
-Aquisição precoce da leitura;
-Habilidade acima da média com números e aritmética;
-Curiosidade incomum, desejo de aprender e capacidade de elaborar questionamentos de forma ilimitada;
-Interesses em áreas específicas, podendo tornar-se especialista no assunto;
-Criatividade;
-Sensibilidade elevada, podendo apresentar fortes reações em relação a parte sensorial (ruídos, odores, dores), e especialmente à frustração;
-Comportamento de liderança;
-Energia elevada, o que pode ser confundido com hiperatividade, especialmente quando não estimuladas adequadamente;
-Aguçada percepção de relações de causa e efeito;
-Facilidade para estabelecer generalizações, ou seja, transferir aprendizagens de uma situação para outra;
-Elevado senso crítico: rapidez em identificar contradições e inconsistências;
-Pensamento divergente: habilidade em encontrar diversas idéias e soluções para um mesmo problema;
-Tendência ao perfeccionismo.
3) Quais as dificuldades mais frequentes?
Apesar de tantas características positivas algumas crianças podem apresentar problemas no ajustamento socioemocional. Uma vez que o desenvolvimento das capacidades mentais e intelectuais encontra-se muito acentuado e incompatível com os pares da mesma idade, pode haver prejuízos na interação social devido a dificuldade em compartilhar os mesmos interesses. Muitas vezes preferem se relacionar com crianças mais velhas ou adultos ou até mesmo podem apresentar um grande apreço pela solidão. Nesses casos, se a criança superdotada não for auxiliada pela família e pela escola, ou até mesmo por um profissional para lidar de modo adequado com sua condição, esse desajuste socioemocional pode evoluir para distúrbios de ansiedade, baixa auto-estima ou até depressão e/ou traços de agressividade.
As que são pouco estimuladas podem apresentar diversos problemas devido ao tédio, mas as que fazem muitas atividades visando aproveitar ao máximo seu potencial, especialmente quando existe alto nível de cobrança ou expectativas, podem desenvolver ansiedade, burnout e depressão.
Além disso, também podem apresentar uma dupla-excepcionalidade, ou seja, serem superdotadas com uma outra patologia associada (TDAH, dislexia, autismo, bipolaridade, transtorno de ansiedade, entre outras). Essas crianças podem apresentar alguns comportamentos que interferem em seu desenvolvimento, tais como: dificuldade de se comunicar, interagir, alimentação seletiva, incômodo com sons e barulhos, mania, toc, repetições de fala, movimentos estereotipados, etc. Nesses casos, é fundamental a avaliação por uma equipe multidisciplinar para se analisar suas potencialidades e dificuldades, podendo-se assim conduzir a um caminho terapêutico individualizado.
4) Como reconhecer um superdotado?
É fácil reconhecer um superdotado ao estarmos diante de um aluno com alto rendimento acadêmico, artístico, esportivo ou que se destaca por sua liderança, sociabilidade e criatividade, sempre envolvidos em projetos de impacto. São muitas as histórias de alunos com grande destaque em olimpíadas científicas, em grandiosos projetos sociais, empreendedores ou que conquistam vagas nas melhores universidades mundo afora.
Fica simples contar a história de trás para frente, ou seja, já se sabendo onde ele chegou. É evidente perceber que houve um bom desenvolvimento de altas potencialidades.
Mas, e quando se está lá no início da jornada? Imagine-se com seu filho recém-nascido no colo. Deve-se investir ao máximo no desenvolvimento de seu potencial apenas quando o identificamos como superdotado?
É óbvio que não! O estímulo das potencialidades e o aprimoramento das dificuldades deve ser direito universal.
Bem, se nos basearmos no Modelo Diferenciado de Superdotação e Talento, Gagné (2000, 2003) propõe que a superdotação é inata e está relacionada ao uso de habilidades naturais expressas espontaneamente, sem treinamento, denominadas aptidões ou dons. Já o talento estaria relacionado a um domínio superior de habilidades sistematicamente desenvolvidas (ou capacidades) em, pelo menos, um campo da atividade humana. Segundo esse modelo, existem cinco áreas de talento: intelectual, criativa, sócio afetivo, sensório motora e percepção extrasensorial.
Isso significa que a superdotação é apenas uma potencialidade, mas na prática, o que vale é o talento, ou seja ter desenvolvido muito bem uma habilidade.
O problema é que muitos pais, contaminados pelo ambiente extremamente competitivo do mundo atual, acaba hiperestimulando a criança, o que a leva a desenvolver precocemente algumas habilidades, porém isso não significa superdotação. Não é infrequente crianças alfabetizadas aos 3-4 anos e pais solicitando que sejam aceleradas na escola.
Concluindo, como tudo na vida, o grande segredo é o equilíbrio, oferecendo boas oportunidades de desenvolvimento das potencialidades para que um talento seja revelado. E essas condições devem existir para TODAS as crianças, ou seja, não apenas para as superdotadas.
5) O que fazer se você suspeita que seu filho é superdotado?
Se a família ou a escola percebe que uma criança se destaca em relação aos seus pares, o mais importante é sempre estimulá-la para desenvolver seu potencial. Lembrar que jamais deverá desenvolver apenas as habilidades que são seu ponto forte. Pelo contrário, o grande desafio é buscar um bom equilíbrio, aprimorando aquilo em que se tem facilidade mas também cuidando do desenvolvimento das habilidades que NÃO são seu foco de interesse ou aquelas nas quais tenha maiores dificuldades, com especial atenção aos seus relacionamentos sociais e desenvolvimento afetivo.
Muitos pais acreditam que seus filhos são incríveis, admirando seus feitos e precocidade. Corujices a parte, se a criança manifesta verdadeiros sinais de precocidade e altas habilidades, nem sempre o melhor a fazer é correr desesperadamente em busca de avaliação, acreditando que precisam estimulá-la ao máximo, iniciando um processo de ansiedade e pressão. Até porque, na verdade, se esse desenvolvimento está evoluindo bem, é justamente porque tudo está muito bem.
6) Existe algum problema em se fazer uma avaliação de superdotação, mesmo quando o aluno não apresenta alguma dificuldade?
Sim, pode ocorrer. Existe muito tabu em torno da superdotação. Muitos acreditam que:
-
"ele sempre tem que ser o melhor aluno": isso acaba gerando muita expectativa da família, levando pressão sobre o aluno
-
"o aprender tem que ser muito fácil": tem criança que nem ousa se desafiar a explorar novos caminhos, só pelo medo de não se destacar.
-
"eu já sou bom": ou seja, a criança não se esforça
-
"é um nerd": a criança fica com vergonha de seu alto desempenho e para não ser rotulada assim, muitas vezes tira nota baixa de propósito
-
"tenho que ser sempre o melhor": quando não consegue, sente-se um fracassado
-
"é preciso estimular ao máximo seu potencial": a criança só desenvolve seu talento e não desenvolve aquilo que tem mais dificuldade, levando a um crescimento bastante desarmônico e desequilibrado.
Por esses e outros motivos, deve-se considerar qual a verdadeira necessidade em se realizar essa avaliação. Em alguns casos, o prejuízo é maior que os benefícios.
7) Como se avalia a superdotação?
A inteligência é um conceito bastante amplo. Existem diversas definições, teorias e formas de avaliação.
Howard Gardner, um psicólogo cognitivo-educacional americano, descreveu a Teoria das Múltiplas Inteligências. Segundo ele, o ser humano é dotado de inteligências múltiplas:
-
Linguística: habilidades envolvidas na leitura e na escrita, um tipo de inteligência apresentada pelos poetas;
-
Musical: habilidades inerentes a atividades de tocar um instrumento, cantar, compor;
-
Lógico/matemática: habilidade de raciocínio, computação numérica, resolução de problemas, pensamento científico;
-
Espacial: habilidade de representar e manipular configurações espaciais;
-
Corporal/cinestésica; habilidade de usar o corpo inteiro ou parte dele para a realização de tarefas;
-
Interpessoal: habilidade de compreender outras pessoas e contextos sociais;
-
Intrapessoal: capacidade de compreender a si mesmo, tanto sentimentos e emoções, quanto estilos cognitivos e inteligência;
-
Naturalística: habilidade de perceber padrões complexos no ambiente natural
Joseph Renzulli, outro psicólogo educacional americano, descreveu a Teoria dos Três Anéis que afirma que a superdotação é a intersecção de três características:
-
Habilidade acima da média
-
Compromisso com a tarefa (motivação)
-
Criatividade
Outros estudiosos como Dabrowsky, Sternberg, Gagné também propõem suas teorias, mas que no fundo todas significam que a inteligência pode se manifestar de várias formas.
A princípio, não há necessidade de se avaliar uma criança que esteja se desenvolvendo bem em todas as suas potencialidades, onde a escola e a família fomentam e suprem de forma satisfatória suas necessidades de conhecimento.
No entanto, quando a criança começa a apresentar prejuízos em seu aprendizado, faz-se necessária uma avaliação multidisciplinar, onde serão consideradas as questões cognitivas, emocionais, psicológicas, ambientais, culturais, familiares, educacionais além de quaisquer outras patologias que possam estar envolvidas (doenças metabólicas, distúrbios psiquiátricos, mal-formações, tumores, doenças neurológicas, síndromes genéticas, carências nutricionais, etc)
Entre todas essas investigações, pode ser necessário realizar uma avaliação neuropsicológica que são testes neurológicos e psicológicos específicos, padronizados e validados, sendo realizados em etapas sucessivas, baseados em dados comparativos, segundo o esperado para cada faixa etária e escolaridade. Faz parte dessa avaliação o "famoso" teste de QI (quociente de inteligência). Nos indivíduos superdotados o QI é superior a 130, sendo que a média para a população geral é 100 a 110.
Isso significa, portanto, que o teste de QI é apenas uma parte dessa avaliação.
Escalas e testes não fazem diagnósticos, entretanto são ferramentas importantes e servem de rastreamento, pois fornecem dados objetivos úteis para avaliação, intervenção e pesquisa.
8) O superdotado é sempre meio "esquisito"?
Esse é um grande estigma! Quando se fala em superdotado, a maioria imagina aquele nerd, de óculos, introvertido e meio desengonçado, mas essa é uma imagem muito caricata.
O que ocorre é que aqueles que apresentam facilidade na aprendizagem, com grande espírito de liderança, bons esportistas e bem relacionados não consideram esses atributos como características da superdotação. Costuma-se rotular que apenas o mais introvertido, ingênuo e metódico seja o "nerd" da turma.
Alguns autistas de alto rendimento (antigamente chamado de Síndrome de Asperger) podem apresentar um excelente desempenho acadêmico porém com dificuldades nas relações sociais. Alguns alunos podem gostar mais de estudar do que de praticar esportes ou ter uma vida social mais ativa. Existem outros que foram acelerados e, portanto, são mais imaturos que o resto de sua turma. A imagem que se faz do superdotado, talvez se baseie mais nesses alunos.
Na verdade, a maior parte das pessoas não sabe que o conceito de inteligência é muito mais amplo. Assim, rotulam o aluno que tira boas notas como "nerd" desajustado, transformando-o, muitas vezes, em vítima de bullying.
9) Quem avalia a superdotação?
O laudo de superdotação é dado pela avaliação neuropsicológica que deve ser realizado por uma neuropsicóloga.
Esse laudo é usado como um documento legal para comprovação de superdotação para efeitos de aceleração de série, mas, em termos de acompanhamento, a criança deve ser vista como um todo por uma equipe multidisciplinar, buscando atender as necessidades que ela apresenta. A avaliação neuropsicológica propriamente dita pode ser solicitada pela escola, neurologista, pediatra, otorrino/foniatra, psiquiatra entre outros profissionais.
10) Por que a criança superdotada faz parte das políticas educacionais de inclusão?
O Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade.
Nesse documento, ressalta-se alguns tópicos:
- toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,
- toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas
- sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades **
Entre as recomendações:
- Altas habilidades/superdotação: grande facilidade de aprendizagem que os leva a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar ***
Assim sendo, todas as crianças devem ter a oportunidade de desenvolver seu aprendizado. A criança que apresenta déficits específicos, precisa ser acolhida na sua dificuldade, bem como a que apresenta facilidades, deve ser estimulada em suas potencialidades.
O que muitas vezes ocorre, é que as crianças que mais são acolhidas pela política de inclusão são aquelas que não conseguem acompanhar o processo pedagógico. No entanto, o foco de atendimento às crianças superdotadas, deve contemplar não somente as comorbidades que elas apresentam (déficit de atenção, dislexia, autismo, etc), mas deve também oferecer estímulos para suprir suas demandas de aprendizagem mais aprofundada.
11) Então, se a criança não apresenta nenhum prejuízo no seu desempenho escolar, não se deve avaliar suas potencialidades?
NÃO! De forma nenhuma. É extremamente importante detectar a criança que tem grande potencial acadêmico porque, infelizmente, existe muito "desperdício" de talento. É muito comum que alunos com facilidade na aprendizagem se acomodem ou fiquem entediados. As histórias se repetem:
- Ele estuda 5 minutos para a prova e só tira 10!
- Puxa, ele não aguenta mais ir para a escola porque tudo é muito fácil!
- Ele conversa muito durante a aula e atrapalha os amigos mas suas notas são excelentes.
Mas frise-se aqui: NÃO é necessário saber qual o QI de uma criança com grande capacidade cognitiva. Muitas crianças demonstram suas potencialidades em desafios que várias escolas realizam oferecendo bolsas para os melhores colocados, ou ganham medalhas em concursos e competições, revelando seu destaque em relação aos seus pares. Na verdade, o que realmente importa é oferecer condições para que ela se sinta sempre motivada a estudar com mais dedicação para que desenvolva bem suas aptidões. Essa meta pode ser alcançada oferecendo-se desafios maiores; assim, quanto mais vai conquistando, mais ainda pode ser explorado. Existem algumas possibilidades:
1. Na classe comum, oferecendo um enriquecimento curricular
2. Na classe comum, oferecendo alternativas extra-curriculares em outros momentos (salas de recursos, projetos especiais, aulas de aprofundamento, olimpíadas científicas, NAAHS: Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação, etc)
3. Classes especiais somente com alunos superdotados
4. Aceleração de série. (Apenas neste caso, é necessário laudo comprovando a superdotação)
Atualmente, temos algumas escolas que valorizam muito a performance acadêmica e até oferecem bolsas para alunos com grande desempenho. Existem projetos sociais que selecionam os melhores estudantes oferecendo condições para que ele tenha acesso a uma educação de alto nível.
Vale enfatizar que as grandes oportunidades são oferecidas não se considerando a SUPERDOTAÇÃO em si, mas o alto DESEMPENHO ACADÊMICO.
12) Quando se deve considerar a aceleração de série?
A meu ver, a aceleração só deve ser realizada como última alternativa.
O ser humano é um ser social e deve aprender a viver com seus pares. Esse aprendizado se faz desde a infância, quando a criança vai descobrindo como estabelecer as relações sociais convivendo com outros de sua própria idade e, a medida que vai crescendo, a seu tempo, vai amadurecendo todos os aspectos de sua vida.
No entanto, o que motiva os pais a buscarem a aceleração é o fato de que muitas escolas não conseguem oferecer um conteúdo enriquecido e por causa disso seu filho fica entediado. E, infelizmente, isso ocorre em muitas escolas.
Por outro lado, alguns pais acreditam que é bom que seu filho conviva com adultos ou crianças mais velhas, pelos interesses e conhecimento mais profundos, não compreendendo quão importante é a convivência com as crianças da mesma faixa etária. Acham que em séries mais avançadas, seu filho terá um conteúdo pedagógico mais compatível com o seu raciocínio. Porém, vale lembrar que a criança não está na escola para desenvolver apenas suas habilidades cognitivas. Para uma criança superdotada, o aprender é mesmo muito fácil. Difícil é entender porque uma outra criança tem tanta dificuldade. Se ela não aprender a conviver com essa diversidade, ela ampliará suas dificuldades socioemocionais. Explorar as diversas descobertas no tempo certo de seu desenvolvimento é importante para a maturação da personalidade.
Na realidade, o ideal é que a criança superdotada tivesse a percepção de que é ela que tem facilidade em aprender e não o outro que tem alguma deficiência. Assim, aprender a esperar o outro aprender é um grande exercício de empatia. É extremamente importante que toda criança aprenda a enxergar o mundo com os olhos de seu próximo. Quando manipulamos as situações priorizando a fome de conhecimento do superdotado, ele pode crescer acreditando que é o centro de tudo, acreditando que suas necessidades são sempre mais importantes do que a dos outros.
Não existe nenhuma vantagem em se terminar de cursar o Ensino Médio tão jovem. Eles, que não souberam conviver com aqueles que não tinham as mesmas facilidades de aprendizagem, podem se sentir excluídos em anos posteriores justamente porque seus colegas serão mais velhos. Assim, acabam sendo vítimas de bullying seja por serem considerados nerds ou por não se adequarem ao perfil etário da maioria.
Assim sendo, a aceleração deve ser muito bem analisada. Deve-se refletir profundamente diante das observações da família, da escola e de profissionais. Mas quando bem indicada, ela pode ser positiva. Existem muitos exemplos de aceleração que foram fundamentais para o bom desenvolvimento de superdotados. Nos EUA, a aceleração de série é uma prática bastante comum.
13) Mas se um aluno está tirando boas notas mesmo sem precisar se dedicar, para que ele precisa ser mais desafiado?
Vamos fazer um paralelo com o esporte. Imagine um menino com enorme talento para jogar futebol. Ele pode ter muitas oportunidades se desenvolver seu talento. Caso não queira treinar, possivelmente continuará jogando bem, mas não terá grande destaque. Muitas vezes, outro jogador menos habilidoso porém mais esforçado receberá melhores propostas.
Existem muitos alunos extremamente bons no Brasil. Nossos jovens talentosos sempre conquistam medalhas em olimpíadas científicas internacionais. Quando se adentra por esse universo de bons alunos, a concorrência (no bom sentido da palavra) é em um nível altíssimo. Esses alunos brilhantes estudam demais. Essa competitividade se torna propulsora para que eles se dediquem mais ainda aos estudos. E, da mesma forma que o atleta, os treinos, a dedicação e exaustão fazem parte do caminho para a conquista de seus sonhos. Em diversas ocasiões sofrem por não conquistarem uma medalha ou a vaga para uma competição que pleiteavam, sendo justamente por causa dessas experiências que aprendem o significado de resiliência. Com toda essa história de vida, é frequente serem aprovados nas melhores universidades do mundo, sendo muitas vezes disputados por elas.
Mas só segue neste caminho quando esse desejo nasce de dentro do próprio aluno (volição). Em algum momento, ele descobre que esse é o caminho que deseja seguir e começa a sonhar.
Quando estamos diante desse aluno, muitas vezes nos admiramos com sua capacidade incrível de estudar. E assim, da mesma forma que o atleta se dedica e sente prazer naquilo que faz, esse aluno encontra muita satisfação pessoal em toda sua abnegação.
Costumo dizer que as pessoas mais bem sucedidas são aquelas que em algum momento escolheram sonhar grande e batalhar por seu sonho, aprendendo resilientemente a não desistir, transformando diversos atalhos que tiveram que tomar, nas verdadeiras grandes estradas principais que os conduziram à conquista de seus sonhos. Nem sempre tiveram a oportunidade de fazerem as melhores escolhas, mas transformaram suas escolhas nas melhores decisões de sua vida.
14) Todo superdotado terá sucesso em sua vida profissional?
NÃO. De nada adianta ter a habilidade intelectual sem dedicação, empenho e muito esforço. E de nada adianta alto desempenho cognitivo sem o desenvolvimento de vários outros aspectos da vida.
15) Quais as vantagens e desvantagens em se conviver sempre com os melhores alunos?
No Brasil não existe escola para superdotado, mas quando existe divisão de sala por classificação, os melhores alunos ficam separados. Alguns colégios são voltados para a preparação dos vestibulares mais concorridos, concentrando alunos extremamente dedicados, bem preparados e que concorrem às mesmas vagas. É comum haver preparação para olimpíadas científicas onde os alunos com os melhores resultados estudam juntos.
Encontrar um grupo com os mesmos interesses, tão dedicados quanto ele próprio e com os mesmos sonhos gera um ambiente muito estimulante e desafiador para a maioria dos alunos. No entanto, algumas vezes, esse espírito competitivo pode levar a um stress muito grande. O jovem acaba reduzindo suas horas de sono e lazer, alimenta-se mal, sente um alto nível de cobrança por resultados com grande expectativa própria de sucesso, vivendo uma fase de ansiedade que acaba caminhando para um "burnout" (esgotamento). Cabe lembrar que os índices atuais de depressão e suicídio em jovens é muito alto e que a pressão por alto rendimento pode se tornar um gatilho.
Por isso, é imprescindível que sempre se busque o equilíbrio para manutenção da saúde física e mental.
16) Em uma sociedade em que o NERD é estigmatizado, como estimular um superdotado a estudar cada vez mais?
Existem escolas que valorizam muito os bons alunos, sendo por isso que acabam atraindo cada vez mais outros bons alunos. Nelas, a tribo dos NERDS é grande e seus feitos os transformam em verdadeiros MITOS, inspirando os mais novos a buscarem as mesmas conquistas.
Quanto mais esse bom aluno se vê cercado por um ambiente desafiador, com muitos amigos com os mesmos interesses, essa boa influência se torna um propulsor para estimulá-los a se desenvolver ainda mais.
Mas existem diversas histórias de alunos que se destacaram mesmo não estudando em uma escola que valorizasse seu talento. Por vezes a família ou algum professor foi a base para esse desempenho, e alguns alunos auto-didatas inspiraram-se em alguma motivação própria, ousaram sonhar e se esforçaram tremendamente.
17) Todos alunos com brilhantes resultados acadêmicos, que conquistam medalhas em olimpíadas de conhecimento internacionais ou desenvolvem algum projeto de destaque são superdotados?
SIM se tomarmos como referência a definição pelo MEC, mas NÃO obrigatoriamente em resultados de avaliações psicométricas.
18) Qual o papel dos pais?
Os valores e princípios são transmitidos pelos pais. Quando a Educação é valorizada no âmago da família, essa criança crescerá tendo os estudos como prioridade. É fundamental que a criança cresça sabendo assumir suas responsabilidades, valorizando sua oportunidade de aprender, sabendo que estudar exige esforço e dedicação.
Fundamenta-se uma boa educação na tríade ALUNO-FAMÍLIA-ESCOLA. Quando se consegue uma grande harmonia nessa base e são oferecidas as oportunidades adequadas, a aprendizagem flui naturalmente.
Assim sendo, cabe aos pais acompanhar sempre o desenvolvimento de seu filho, amparando-o nas dificuldades, desafiando-o a se superar, sofrendo e comemorando junto.
19) Os pais podem atrapalhar nesse processo?
Sim. Existem os pais que fazem demais e os que fazem de menos:
- É muito frequente pais ansiosos tentando acelerar as fases de aprendizagem de seus filhos. Muitas crianças pressionadas a estudar e obter bons resultados desenvolvem diversos problemas psicossociais posteriormente.
- Por outro lado, alguns pais não priorizam a educação de seus filhos, ou acham que a única obrigação da criança é passar de ano. Muitas vezes eles mesmos consideram que estudar é muito chato, seja porque tiveram dificuldades quando crianças ou porque simplesmente não valorizam os estudos. Atualmente o mantra dos pais é "fazer de tudo para que meu filho seja feliz!" No entanto, o grande problema é que muitos parecem confundir o significado do verbo "ser" com o "to be", acreditando que "ser" feliz é o mesmo que "estar" feliz. Nessa concepção, parece que o filho nunca pode ser contrariado, sentir-se frustrado ou precisar batalhar. A criança reina no mundo da INFANTOCRACIA.
20) Qual a grande mensagem que deve ficar ao se refletir sobre SUPERDOTAÇÃO?
Não existe nada mais importante para uma criança do que ela SER CRIANÇA. E o que a criança mais precisa é BRINCAR.
É através da brincadeira que ela vai criando seus valores, aprendendo a assumir suas responsabilidades, desenvolvendo suas potencialidades, melhorando seu desempenho nas dificuldades e experienciando a superar suas derrotas.
Cada criança deverá ser valorizada pelo que ela é, jamais simplesmente por suas conquistas. E assim, respeitando cada individualidade, principalmente reconhecendo suas limitações e ajudando a superá-las, conseguir estimular suas potencialidades para que ela alcance uma grande performance acadêmica a fim de abrir portas de oportunidades para construir um caminho rumo às conquistas de seus sonhos.
O que determina um bom desempenho acadêmico é a harmonia ALUNO-FAMILIA-ESCOLA. A volição (querer) deve nascer de dentro do aluno para que ele consiga desenvolver bem suas potencialidades. Cabe à família transmitir os valores, estimulando-o e desafiando-o a sempre se superar, porém sem exercer pressão ou cobranças que possam sufocar esse crescimento. É na escola que ele pode encontrar uma "tribo"com os mesmos interesses que propulsionará esse aprendizado. A escola que tem o olhar para este aluno de alto potencial, proporciona inúmeros projetos extracurriculares onde ele pode se desenvolver cada vez mais. Quando existe a figura de algum professor ou mentor que saiba conduzi-lo, os caminhos se tornam mais nítidos para que seus sonhos se tornem mais visíveis.
E, acima de tudo, lembrar sempre de cuidar do equilíbrio da saúde física e mental, buscando alcançar uma vida plena e feliz .
* http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/altashabilidades.pdf - pag 12
** http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
*** http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB017_2001.pdf - pag 17,18